sábado, 2 de janeiro de 2010

Anistia ampla geral e irrestrita?


Fins da década de 70, início dos anos 80. No horizonte sinais de um afrouxamento da ditadura, processo que se iniciou lentamente a partir do Governo Geisel iniciado em 1974.


Após um período de extrema violência no início dos anos 70, com grupos agindo de forma independente dentro dos órgãos governamentais, setores militares começaram a perceber que era necessária a correção dos rumos inicias do que se havia pretendido com o golpe de 1964.


Não seria possível manter a rigidez do regime por tanto tempo. Destaca-se aí o fato de termos sido, se não a mais, um das mais longevas ditaduras militares da América do Sul. Criava-se a convicção de que era cada vez mais iminente a necessidade de uma flexibilização.


Os movimentos sindicais ganhavam força, assim como os partidos na clandestinidade, além de um atuante movimento estudantil. Era caminhar para uma convergência ou para uma convulsão social de resultados impensáveis.


Foi nesse ambiente de ebulição que se germinou a idéia da Anistia.


A lei fora aprovada e lembro bem qual era o slogan: Anistia ampla geral e irrestrita.


Eram criadas assim as condições necessárias para que brasileiros que viviam no exílio retornassem ao país. A Anistia não se limitava somente a isso, ela era extensiva também aos militares que tivessem cometido tortura, como da mesma forma para os militantes de esquerda que tivessem cometidos atos de terror, como seqüestros, execuções sumárias, assaltados e toda sorte de crimes com motivação política.


Na canção O bêbado e o equilibrista, Elis cantava com alegria a volta do irmão do Henfil e de tanta gente que partiu num rabo de foguete.


Assim voltaram ao Brasil Leonel Brizola, Miguel Arraes, Fernando Gabeira, Betinho e tantos outros.


Era o nascer de um novo tempo, hora de olhar para frente, deixar as marcas do passado para trás e lançar a semente do que viria a ser nossa democracia.


Não se tratava de abrir mão do senso de justiça que deve nortear uma sociedade civilizada, mas crer que olhar para o futuro traria um bem maior para a nação. Não era deixar de deplorar, repudiar e condenar o uso da tortura, ou qualquer outro método de violência com fim político, mas sim acreditar que a solução para se superar esse momento histórico passava necessariamente por não acirrar mais ainda a disputa até então em curso. Deixar o que ficou para trás verdadeiramente para trás (por maiores que pudessem ser as marcas que ficavam) e olhar para frente criando um ambiente político sem vencidos e vencedores, um ambiente de reconstrução do espírito de nação, um espírito que nos trouxesse de volta o senso do algo em comum em detrimento das diferenças.


A lei da Anistia embutia a mensagem de afirmar que antes de nossas percepções individuais ou de grupo político éramos todos brasileiros.

Encerrado o último governo militar se iniciava a Nova República a fase embrionária de nossa hoje consolidada democracia. Desde então a sociedade brasileira vem consolidando o processo democrático e suas instituições.


Desde então passamos por um impeachment, reeleições e alternância de poder. Sempre ocorreram manifestações de questionamento a Lei de Anistia, que se diga, sempre por grupos políticos de esquerda contestando a tortura. Esses questionamentos porém nunca tiveram, nem poderia ser assim tendo como ótica o bom senso, cores oficiais.


Surpresa geral eis que a Secretaria Especial de Defesa dos Direitos Humanos da Presidência da República, órgão com status de Ministério, lança a idéia da criação da Comissão da Verdade.


Pretensiosa na sigla a criação da comissão tem se demonstrado um verdadeiro desastre. No campo político criou inquietação desnecessária fazendo com que os titulares das pastas militares assim como o Ministro da Defesa colocassem seus cargos a disposição do Presidente.


A dita comissão parece buscar uma verdade parcial, uma vez que se limitaria a casos de tortura e de desaparecidos, mas não se estendendo a crimes praticados pelos movimentos de resistência ao regime.


O titular da pasta, Paulo Vannuchi, argumenta que a comissão não tem como alvo as forças militares em geral mas sim somente aqueles que sob seu manto praticaram crimes.


Santa ingenuidade Batman, diria Robin o garoto prodígio. Como imaginar que forças militares que tem como maior fundamento a coesão (questão até elementar de sobrevivência) pudessem ver na atitude de criação da comissão um ato que não as tivesse como alvo final?


Nem mesmo o mais puro dos justos pode ter em essência tamanha ignorância política, tamanha ignorância da natureza das coisas, que derrapada...


Bem intencionada que fosse (tenho dúvidas, lembrem-se que existe uma indústria indenizatória) a simples idéia de criação da comissão, já trouxe mais repercussão negativa que os mais otimistas resultados que dela pudessem ser esperados.


Num ano eleitoral tendo como sua candidata uma ex-militante de movimentos de esquerda a quem são atribuídas uma série de ações ilícitas a se ressaltar o mais espetacular assalto cometido por um grupo de esquerda, Lula parece ter um abacaxi bem espinhoso para descascar.


Uma pitadinha de bom senso viria bem a calhar. A democracia agradece.

OBS: Uma boa literatura sobre o assuntos é a série de livros sobre a Ditadura de autoria de Elio Gaspari. Material indispensável para aqueles que pretendem fazer um juízo sobre esse vexatório período de nossa história. Com rigor jornalístico o autor propícia uma ampla visão desse processo político de forma equidistante. Ideal para quem quer entender melhor o Brasil.


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