domingo, 7 de março de 2010

Democratas de ocasião.

Militei no movimento estudantil em meados dos anos 80.


Era membro de um movimento chamado Alicerce, depois transformado em UJS – União da Juventude Socialista. Seja onde for sempre haverá uma elite e uma massa a ser manobrada.


Ao constatar essa realidade dentro do movimento me distanciei. Virei hominho, casei e mudei.


Mesmo com esse desencanto, sempre me coloquei na condição de observador atento da política nacional.


Confesso que por muito tempo vi no PT, se não o partido político ideal, ao menos um partido político diferente dos demais pelo que parecia ser um diferencial de ética e ideologia. Os partidos políticos no Brasil sempre foram fisiológicos e quanto à ética, bom, nem preciso comentar.


O poder é doce e lambuza. E como...


Passaria dias aqui relacionando escândalos envolvendo membros do governo de Lula e de seu partido político. Desde os menores como Benedita da Silva que com o meu e seu dinheiro foi para a Argentina num encontro religioso sem nenhum vínculo com sua pasta, ou outros como o uso indiscriminado dos cartões corporativos, o Land Rover do Silvinho, o mensalão de José Dirceu, Palocci e a quebra de sigilo do caseiro que ousou denunciá-lo, João Paulo Cunha e sua esposa que adorava uma fila de banco e por aí vai...Claro que tem o maior dos escândalos o do nosso presidente (com minúsculo mesmo já que é assim que ele trata o cargo), que nunca viu nem sabia de nada.


Com essa fartura de escândalos confesso que hoje pouca coisa pode me assustar. A edição da Veja desse final de semana mesmo traz uma matéria denunciando o tesoureiro do PT, mas na terça-feira todo mundo já esqueceu.


O que me assustou ontem (lá no movimento estudantil), hoje e sempre é o pouco apreço que a "esquerda" brasileira tem pela democracia.


O tempo tem mostrado que a democracia não era um fim, um objetivo a ser conquistado, um ideal pelo qual deveria se lutar, ao contrário a democracia foi apenas um meio, o meio possível para o verdadeiro e grande objetivo: "u puderrrr!!!".


Se nos faltassem exemplos internos (basta perceber a intolerância de Lula as críticas) o que chama mesmo a atenção é o posicionamento da política externa brasileira sob o comando de nosso atual presidente.


Um verdadeiro estadista deveria ter a dimensão que a política de Estado deve transcender seu governo e filiação partidária e sim ser reflexo do pensamento e vocação da Nação.


Numa trapalhada sem precedentes em nossa diplomacia, demos abrigo ao presidente deposto de Honduras.


Zelaya fez de nossa embaixada seu escritório político, pintou e bordou.


Ora, que tivéssemos dado abrigo humanitário ao homem nada a se criticar, servir como interlocução para permitir que o mesmo se retirasse do país, tudo bem, mas abrigá-lo como fizemos criando um limbo diplomático ao não definirmos seu status pelas regras da diplomacia mundial nos colocou no mais raso patamar, nos fez uma republiqueta, ofuscou o que deveria ser nossa natural propensão a uma liderança ao menos regional.


Esse episódio é só um exemplo menor dos equívocos que esse governo vem cometendo no front das relações internacionais, demonstrando que seu apreço pela democracia é de ocasião e que varia de acordo com o gosto do freguês.


Impassíveis, assistimos a construção, sistemática e cínica, de uma ditadura, logo aqui ao lado na pobre Venezuela. Conceitos elementares como liberdade de expressão e imprensa livre, há muito tempo já foram jogados ao lixo.


Nas viagens, especialmente ao Panamá, Aruba e Curaçao, além das vezes que estive nos EUA, nunca encontrei um venezuelano de orientação média que fosse favorável a Chavez, ao contrário, o que constato cada vez mais é venezuelanos deixando seu país, temerosos pelo que virá. A classe média venezuelana bate em retirada na desesperada tentativa de preservar o que conquistou.


Numa clara contradição o povo venezuelano está cada vez mais pobre, ao mesmo tempo em que o país é um dos maiores produtores de petróleo do mundo. A infra-estrutura do país é um lixo, com racionamentos e apagões (tem que fazer xixi de luz apagada orienta Chavez), a violência urbana cresce assustadoramente e enquanto isso a caricatura mal feita de Simon Bolívar gasta milhões numa corrida armamentista contra um inimigo invisível. É a velha fórmula que ditadores usam: crie um inimigo e una seu povo.


Enquanto isso na república do mensalão o Brasil o governo Lula é só silêncio. Uma postura digna mesmo de um candidato a um assento definitivo no conselho de segurança da ONU, de um país que reclama para si uma liderança natural e que supostamente tem vocação democrática.


Dia desses cheguei até a pensar que isso era premeditado. Seria um raciocínio mais ou menos assim: a Venezuela afundando (como é o caso) melhor para o Brasil, um concorrente a menos. Nosso governo não teria competência para algo tão maquiavélico. Vocação sim, competência não.


Em relação a Cuba o que dizer? Presos políticos, censura, todo tipo de repressão etc. Cuba é uma ditadura pré-histórica que penaliza seu povo. Em Cuba o que se socializa é a miséria ao qual seu povo está submetido.


Nessa semana mesmo durante a visita de Lula à ilha de Fidel um preso político morreu em função de uma greve de fome. Do nosso presidente um lacônico pesar e uma reprimenda a oposição cubana que precisa parar de escrever carta e não entregar... Sem comentários.


Quando se pensa que já se viu toda sorte de trapalhada de nosso governo nas relações internacionais, lá vamos nós apoiarmos o Irã.
A cultura iraniana é riquíssima, fruto de um povo de origem milenar, a religião mulçumana é de uma beleza ímpar, mas há que se separar o povo iraniano de seu atual governo.


Estados teocráticos estão diametralmente opostos do que aqui no Ocidente entendemos por democracia. Digamos então que sob o argumento da diferença cultural pudéssemos aceitar essa simbiose religião-estado, mas como aceitar um chefe de Estado negar o Holocausto ou mesmo minimizar a tragédia que foi o massacre de milhões de judeus em campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial?


Esse mesmo senhor quer dominar a tecnologia de enriquecimento de Urânio que poderá permitir ao Irã fabricar, quem sabe, um artefato atômico. O governo iraniano se defende: é para fins pacíficos. "Hum... hum..."


Se o atual regime iraniano reprime violentamente seu povo, como pudemos constatar com as raras imagens que furaram a censura do governo, o que poderíamos esperar para o Oriente Médio com o Irã capaz de atacar Israel com uma arma nuclear?


Dia desses recebemos Mahmoud Ahmadinejad aqui na terra de Macunaíma...


Durante sua embaraçosa, indesejável e ofensiva visita, nenhuma ressalva ao governo iraniano, ao contrário, silêncio, nada de tratar de assuntos controversos, só tapinhas nas costas...


Democracia é um valor a ser defendido e preservado como premissa de um mundo justo, onde deve imperar o respeito pelo homem e sua condição humana e não uma posição de conveniência, oportunista e flexível mediante os interesses em jogo.


O governo Lula macula a imagem do Brasil por sua vergonhosa proximidade ao governo cubano, por sua permissividade com relação a Hugo Chavez, por seu conivente silêncio em relação ao Irã, assim como em todas as questões em que deixa que valores menores se sobreponham aqueles que deveriam ilustrar a vocação de nosso povo como nação democrática.


Com um posicionamento frágil, Lula e os membros de seu governo colocam o Brasil, eu e você, na condição de democratas de ocasião.