sexta-feira, 27 de março de 2009

Ponto de compra.

Era o começo da década de 90, o Brasil e o mundo passavam por uma tremenda mudança. Comigo não era diferente.

Pai fresco (meu filho era recém nascido), sobrevivente de um profundo corte de pessoal na empresa que trabalhava eu iniciava uma nova etapa em minha vida.

Logo após a decretação do Plano Collor a bolsa já iniciava sua recuperação e a empresa começava a recontratar pessoal.

Lembro como se tivesse acontecido minutos atrás, quando vi aquele cara baixinho, marrento uma espécie de Romário versão branca e paulista sendo apresentado como o mais novo operador de pregão da corretora. Ele devia ser folgado pra caramba, pensei. Não estava errado não, mas ele viria a ser muito mais que isso em minha vida.

Coisa do destino era ele quem iria ficar na linha comigo. Numa orelha o cliente mais importante da casa na outra ele que seria meu compadre duas vezes (de seu casamento e de sua filha mais nova), mas mais que isso um irmão que entrava na minha vida para ficar.

Não precisei de mais que alguns minutos na linha com o cara para perceber que realmente ele era o cara. Ágil, era sem dúvida um dos melhores operadores de pregão do mercado de capitais brasileiro. O tempo me mostrou que privilégio o meu, que além de poder conviver com um profissional como esse poderia tê-lo também como amigo.

Em poucos dias de convívio nosso entrosamento era como se fosse de anos. Voltando ao mercado depois de uma tentativa frustrada de ter seu negócio próprio ele se via em meio a uma inesperada separação conjugal. Sereno compartilhou comigo o desafio que se apresentava: reestruturar-se financeira e emocionalmente.

Olhando de fora e vendo seu potencial não tive dúvida:

- Fique tranqüilo, você está em ponto de compra!

Gíria de mercado, ponto de compra quer dizer um preço atrativo para se comprar uma ação, ou seja, uma barbada, comprar e esperar subir a cotação. Passamos onze anos trabalhando juntos naquela empresa. Juntas caminharam nossas vidas.

Crises e mais crises se passaram até que no começo de 2002 fomos dispensados do trabalho. Inicialmente fomos trabalhar na mesma corretora, agora como profissionais autônomos. Independentes, cada um recomeçava sua vida profissional numa iniciativa própria. Mas quem pode lutar contra a natureza das coisas?

O rio sempre corre para o mar.

Pouco tempo depois estávamos juntos novamente numa mesma equipe de trabalho, mas mais que isso, novamente compartilhando o caminho trilhado por nossas vidas. Foram bons anos esses anos todos que passamos juntos.

Voltando ao passado o tempo mostrou que eu estava certo quando havia profetizado “o ponto de compra”.

Desde então esse meu parceiro reconstruiu seu patrimônio, casou-se novamente (eu fui um dos maiores torcedores dessa relação) teve mais dois lindos filhos (um tricolor para minha felicidade), enfim refez seu caminho.

Novos tempos, difíceis tempos, tempo de crise. Novamente o mundo passa por uma profunda mudança. É hora de corrigir rumos, enfrentar novos desafios, hora de se reinventar. Mais uma vez a vida tenta nos afastar. Seguiremos agora cada qual em seu rumo profissional, com a certeza de que um estará torcendo pelo sucesso do outro e que mais dia menos dia a ordem natural das coisas voltará a falar mais alto.

Para você meu compadre, amigo e irmão, Geraldo Pereira Junior, Jú, meu muito obrigado.

Agradeço de coração, pelos tão bons momentos que compartilhamos. Agradeço por trazer para minha vida a Luciana, a Rosaninha, o Kaique e a Tatá. Agradeço também por toda confiança em mim depositada, saiba que fiz meu máximo para poder merecê-la.

Obrigado pelos ensinamentos, em especial por me mostrar a importância de cuidarmos da nossa razão o mais valioso e frágil bem de um homem.

Se sem pretender falhei contigo um dia, perdoe-me.

Toda sorte do mundo, pois competência certamente não lhe faltará nessa nova etapa de sua vida profissional.

Que Deus te abençoe e a sua família e lembre-se que sempre terá em mim um amigo.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Mark by Ben.

Não precisa me conhecer muito para saber o quanto a relação pai e filho está presente em minha vida, seja como filho ou como pai (lembra do vermelho e do azul?).

Você pode teorizar o quanto quiser, mas para entender relação, sua profundidade e intensidade, só tendo um filho mesmo, só vivenciando. Quer destruir um monte de teorias sobre como educar alguém? Tenha um filho. Treino é treino, jogo é jogo.

Se essa é uma das relações com maior potencial de ser dolorosa, afinal ver um filho crescer dói, a contrapartida é que essa é a mais intensa forma de amor.

“Que seja eterno enquanto dure” dizia Vinícius sobre o amor homem-mulher, no caso de um filho o eterno é pela eternidade.

Fuçando na net me deparei com esse vídeo que demonstra mais que qualquer texto pretensioso e ingênuo o quão mágica pode ser essa relação.

Digite no Youtube "Mark by Ben” e veja o vídeo feito por Mark, 14, para ajudar seu pai.

sábado, 14 de março de 2009

O vermelho e o azul.


A paternidade me trouxe uma nova dimensão de minha existência, assim como da própria existência humana.

Há quem procure sinais milagrosos em santos que choram, assim como em manchas que se assemelham a imagens religiosas etc. Depois que me tornei pai, descobri que os filhos são o maior dos milagres. Todos nós somos milagres perambulando por aí para cima e para baixo.

Meus filhos me permitiram perceber que sim podemos nos eternizar não somente por nossa herança genética, mas também e principalmente pelos valores que poderemos passar para eles. Percebo isso ainda mais quando olho para minhas mãos e vejo que elas se parecem cada vez mais com as de meu pai já falecido. Se meus valores são fruto de minhas convicções, essas sem dúvida foram em boa parte construídas tendo como base o aprendizado que recebi de meus pais.

Cada um de nós é realmente único e por isso especial. Os filhos são a maior prova disso. Filhos de uma mesma mãe e um mesmo pai, com a mesma criação, ainda que com uma pequena diferença de idade, invariavelmente acabam sendo absolutamente diferentes. A aparência física pode até ter traços comuns, já personalidade...

Alma, espírito, jeito, característica, personalidade, o que quer que seja enfim, cada um de nós tem um pedaço, uma pecinha qualquer, exclusiva com número de série que não se repete. Independentemente de quem sejam os pais, de qual cultura se faça parte, ou mesmo o tempo histórico a que se pertence, cada um de nós tem em sua essência um traço próprio e inexplicável. Os observadores mais atentos chegam a perceber essa diferença até mesmo entre os bebês.

Com meus filhos é assim. Expostos a tantas variáveis comuns, são totalmente diferentes. Tenho por hábito dizer que são: o vermelho e o azul.

O vermelho é o Caio. Ariano característico nunca sabe bem ao certo o que quer, desde que seja imediatamente, agora, para ontem, o mais rápido possível. É um poço de paixão, sentimentos a flor da pele, ri e chora sem pudor, fala mais que ouve, aliás, não ouve e fala sem parar. Cá para nós, o rapaz tem a quem puxar. Ainda bem que tem o que dizer. Eu não disse que tinha a quem puxar. Pai coruja é assim mesmo.

Carinhoso, dá e exige afeto. É o Balada-man e se deixar só vem para casa para dormir.

O Henrique é o azul. Nem azul claro, nem azul marinho, azul royal. Cético e equilibrado é o mais maduro de nós, aliás, é mais maduro que todos nós juntos (incluindo-se aí eu e minha esposa). Questionador por natureza não aceita respostas rasas e prontas. Diferente do irmão que faz a linha besteirol, o Kike tem um senso de humor ácido, cínico mesmo. Enquanto o irmão mais velho é o “relações públicas”, o azul é mais reservado, com um ciclo mais restrito e sólido de amizades.

Um episódio em especial me fez perceber definitivamente o quanto são diferentes e especiais.

Tendo entrado num quadro de falência múltipla dos órgãos, a morte de meu pai era iminente, questão de horas, um dia, dois no máximo (como acabou acontecendo).

Diante daquela realidade irreversível era hora de se preparar e compartilhar aquele fato com meus filhos. Tendo recebido a notícia no fim de uma sexta-feira, esperei o amanhecer de sábado para no banco do jardim, ensinar mais esse capítulo da vida para meus filhos. Cada um reagiu da forma mais inesperada possível.

Ao receber a notícia o Caio automaticamente se deu conta de que os pais morrem um dia. Com lágrimas nos olhos em seu egoísmo inconsciente me disse:

- Pai eu não quero que você morra.

Em sua lógica infantil e crua o Caio havia concluído que seu meu pai estava à beira da morte um dia seria ele que passaria pela situação que eu vivia naquele momento.

Diferente do irmão mais velho que deixava escapar uma revolta em seu choro, num discurso difícil de crer proferido por uma criança de sete anos, com serenidade espantosa o Henrique me confortou:

- Pai vai ser melhor assim, o “vô” Alfredo precisa descansar.

Mais do que qualquer um de nós, aquele pedacinho de gente, em sua suposta ingenuidade, percebia aquele momento em toda sua profundidade.

Os anos se passam (não precisava ser tão rápido assim) e ainda continuo me encantando com as peculiaridades de cada um de meus filhos, maravilhosamente diferentes entre si, um vermelho e o outro azul.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Carnaval no Costa Mágica: um pesadelo.


Surgiu recentemente no cenário turístico nacional a indústria dos cruzeiros. Especialmente comuns nos países mediterrâneos, os cruzeiros na costa brasileira são um fenômeno recente.

Três anos atrás fiz um cruzeiro no período de carnaval no navio Blue Dream. Assim como o nome da embarcação aqueles dias que passei com minha família foram dias de sonho, dias que deixaram saudade.

Confesso minha resistência em viajar nesses períodos. É bem razoável esperar por situações desagradáveis como atrasos em aeroportos, tarifas caríssimas, congestionamentos quilométricos, falta de infra-estrutura etc...

Como parecia ter encontrado a fórmula mágica, resolvi repetir a dose e comprei um pacote de um cruzeiro de uma semana no navio Costa Mágica da Costa Cruzeiros.

Ansioso que estava, esperei contando os dias para o embarque. Visitei diversas vezes o site da empresa me enamorando pelo navio e por suas atraentes instalações e facilidades.

Logo no embarque do traslado aqui em São Paulo percebi algo estranho no ar. Enquanto meu ônibus trazia uma discreta inscrição ”Costa Mágica” outros traziam o sugestivo nome “Carnavio”. Certamente não era o mesmo navio que o meu. Nada contra a “moçada” afinal nem sou tão velho assim (41, corpinho de 40...), mas sabe como é, na dúvida cada um no seu quadrado.

Até chegarmos ao Porto de Santos e mesmo durante o período que passamos no terminal antes do embarque propriamente dito, já pude ir constatando algumas atitudes “aperitivo” do que parecia estar por vir. Educação realmente parece mercadoria cada vez mais escassa. Bons modos parecem definitivamente fora de moda. Bom...não para mim. Graças a Deus e a educação que recebi de meus pais.

Apenas alguns minutos após o embarque o caos já tomava conta da embarcação, que com equipe de segurança vacilante, já se mostrava refém da situação que tomava contorno de desordem generalizada.

Para completar parte de minha bagagem foi supostamente retida pela Polícia Federal. Pensei: tráfico de barra de cereais dá cana? Se desse estava perdido. Não era esse meu crime, mas ter no “case” de meu DVD mini falantes que prontamente joguei fora quando comunicado não serem permitidos a bordo. Ressalto que todo o processo de retenção da bagagem (conduzido pela tripulação e não pela P.F.) se deu sem a mínima preocupação de descrição. Fui tratado da mesma forma que aqueles que tiveram sua bagagem apreendida pela posse de “outros” itens proibidos. Vale lembrar, falaram em nome da Polícia Federal com o claro intuito de intimidar as pessoas. Generalizaram. Nivelaram por baixo.

Passar por essa situação por ordem de uma autoridade brasileira constituída vá lá que seja, agora como arbitrariedade de uma equipe de segurança sem preparo algum , sem comentários.

Perdido quase o primeiro dia do cruzeiro para resolver a questão (incluindo aí o B.O. que registrei na Polícia Federal pelo constrangimento que passei) imaginei que as coisas pareciam estar nos eixos. Ledo engano.

Se o futuro do mundo pertence aos jovens, espero de coração que sejam outros e não os que vimos no navio. Vândalos e drogados, nascidos de combustão espontânea certamente, pois ninguém que tem uma mãe, pai, avó ou avô pode ter alguns dos comportamentos que presenciamos.

Não vai aqui nenhum tom moralista, ao contrário respeito o direito que cada um tem de conduzir sua vida como bem entenda, isso desde que haja respeito pelo limite do outro.

De corredores fétidos de urina e vômito, de pessoas “absurdamente” embriagas/drogadas vagando pelo navio, até cenas de ataque físico e moral, presenciamos de tudo nesses dias. Olha que nem aponto aqui as estórias ouvidas pelos corredores, muitas delas impublicáveis mesmo.

Confesso que a mim isso tudo incomodou muito mais pelas famílias com crianças e pelos senhores e senhoras de idade que assim como eu imaginavam estar num cruzeiro de ambiente civilizado e com um mínimo de segurança. Só para se ter uma idéia do quão a segurança estava comprometida: extintores de incêndio foram recolhidos temendo-se que fossem jogados ao mar como aconteceu com aparelhos televisores e colchões.

Você pode pensar: Carnaval é isso mesmo? Também o que foi fazer num navio desses? Aí é que moram os perigos; primeiro, crer que um determinado período festivo ou mesmo que um motivo de qualquer ordem dê legitimidade para que alguém desrespeite seu próximo; segundo, tirar da empresa operadora a responsabilidade de saber como e para quem seu produto está sendo vendido. Ora, se é para permitir que seu produto seja vendido com o apelo do carnaval (subentendido aí a idéia de vandalismo, consumo liberado de drogas e outras “cositas mas”), caberia ao menos um alerta. Seria mais ou menos como não ter a delicadeza de avisar a um palmeirense que ele está adquirindo um pacote de cruzeiro do Navio do Timão.

Cruzeiro é uma excelente opção de viagem, vale a pena tentar, mas evite a Costa Cruzeiros...experiência própria.