sábado, 31 de outubro de 2009

As garrafas coloridas...


A vida vai passando e vamos conhecendo novas dimensões dos nossos sentimentos.



Há quem diga que a palavra saudade só exista na língua portuguesa, não havendo uma correspondente exata, que dê o mesmo sentido a mesma dimensão, em outras línguas. Nostalgia, sentir falta... Saudade é isso, mas é mais, muito mais, difícil mesmo de explicar.

Aprendi encomendando uma coroa de flores por ocasião da morte de meu pai que para saudade não existe plural:


- O sentimento é tão forte que o singular é suficiente. Explicou-me o atencioso florista enquanto confeccionava meu derradeiro presente para meu pai.

Um colega de trabalho sempre dizia que nascemos para sentir saudade, mesmo que seja de ontem.

Inexplicável que é, a saudade tem uma gama de intensidades, que vão desde a saudade gostosa de se sentir, aquela de alguém que chegará em breve, até a mais doída de todas que é aquela que sentimos de alguém que perdemos e que nunca mais vai voltar. A saudade é sentimento, mas numa situação de perda definitiva se apresenta numa forma física, uma falta de poder tocar, de abraçar, de sentir o cheiro, uma saudade que não passa.

Uma saudade gostosa (?) de se sentir é a saudade de nossa infância. Há quem tenha sofrido nessa fase e que talvez não guarde boas lembranças, via de regra porém, uma infância minimamente saudável guarda momentos deliciosos de serem relembrados.

De minha infância tenho saudade de muita coisa, de brincadeiras de rua, de fazer balão (naquela época podia), mas uma em especial é a da Rural do Seu Jarbas.

O Seu Jarbas era o pai da Profa. Miriam, Diretora do Externato Brigadeiro Faria Lima, onde eu estava na pré-escola.

Além de pai da Diretora o Seu Jarbas também era o motorista responsável pelo transporte escolar. Dividindo minha atenção entre o fim do episódio dos Três Patetas e a chegada do Seu Jarbas, ansioso esperava por mais uma viagem naquela Rural azul que me parecia tão grande.

Os mesmos amiguinhos, o caminho o mesmo, ainda assim cada dia parecia reservar uma nova aventura.

Por aquelas janelas eu via o movimento das ruas, as pessoas (todo mundo tão grande) e vibrava quando cruzava uma viatura policial, ainda mais quando nossos acenos eram retribuídos pelos policiais que naquela época ainda eram associados a heróis. Saudade do tempo que a gente sabia quem eram os bandidos e os mocinhos. Saudade.

Como pai, tenho saudade de meus filhos pequenos. Era muito jovem e hoje percebo que não vivi aquele momento com a intensidade devida, tinha tanta responsabilidade, tanto medo do futuro e da vida que de certa forma, peninha, não vi aquele tempo passar.

Acho que sentimos tanta saudade, porque no fim das contas percebemos que o tempo, implacavelmente, passa. Passa rápido. Tão rápido que dia desses me deparei com a saudade de meu filho pela sua infância.

Voltáva para casa quando o celular tocou. Era o Kike, ligando do Canadá.

Conversa vai, conversa vem, ao ser descrito um trecho da estrada por onde passava naquele momento, uma surpresa, Kike falou sobre sua saudade de uma lojinha de produtos de limpeza que ia quando era bem criança para fazer compras.

Toquinho de gente, sua cabecinha ficava na altura das "garrafas coloridas", as garrafas onde eram colocadas detergentes e outros tipos de produtos de limpeza, que com suas cores encantavam aquele menininho. Coisa de criança, mas que ficou marcada.

O tempo passa, a saudade não.

OBS: Depois que publiquei esse texto, foi a vez de meu filho mais velho ter saudade da infância. Em viagem a Ubatuba no feriado ligou dizendo que estava tendo boas lembranças das viagens que fazíamos à praia do litoral norte paulista. Mal se lembra ele quantas vezes deixamos de ir nessa mesma praia na sua fase "hardcore". Odeio areia...bem que podiam asfaltar tudo, dizia...É o tempo passa mesmo, já a saudade...



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