sábado, 14 de março de 2009

O vermelho e o azul.


A paternidade me trouxe uma nova dimensão de minha existência, assim como da própria existência humana.

Há quem procure sinais milagrosos em santos que choram, assim como em manchas que se assemelham a imagens religiosas etc. Depois que me tornei pai, descobri que os filhos são o maior dos milagres. Todos nós somos milagres perambulando por aí para cima e para baixo.

Meus filhos me permitiram perceber que sim podemos nos eternizar não somente por nossa herança genética, mas também e principalmente pelos valores que poderemos passar para eles. Percebo isso ainda mais quando olho para minhas mãos e vejo que elas se parecem cada vez mais com as de meu pai já falecido. Se meus valores são fruto de minhas convicções, essas sem dúvida foram em boa parte construídas tendo como base o aprendizado que recebi de meus pais.

Cada um de nós é realmente único e por isso especial. Os filhos são a maior prova disso. Filhos de uma mesma mãe e um mesmo pai, com a mesma criação, ainda que com uma pequena diferença de idade, invariavelmente acabam sendo absolutamente diferentes. A aparência física pode até ter traços comuns, já personalidade...

Alma, espírito, jeito, característica, personalidade, o que quer que seja enfim, cada um de nós tem um pedaço, uma pecinha qualquer, exclusiva com número de série que não se repete. Independentemente de quem sejam os pais, de qual cultura se faça parte, ou mesmo o tempo histórico a que se pertence, cada um de nós tem em sua essência um traço próprio e inexplicável. Os observadores mais atentos chegam a perceber essa diferença até mesmo entre os bebês.

Com meus filhos é assim. Expostos a tantas variáveis comuns, são totalmente diferentes. Tenho por hábito dizer que são: o vermelho e o azul.

O vermelho é o Caio. Ariano característico nunca sabe bem ao certo o que quer, desde que seja imediatamente, agora, para ontem, o mais rápido possível. É um poço de paixão, sentimentos a flor da pele, ri e chora sem pudor, fala mais que ouve, aliás, não ouve e fala sem parar. Cá para nós, o rapaz tem a quem puxar. Ainda bem que tem o que dizer. Eu não disse que tinha a quem puxar. Pai coruja é assim mesmo.

Carinhoso, dá e exige afeto. É o Balada-man e se deixar só vem para casa para dormir.

O Henrique é o azul. Nem azul claro, nem azul marinho, azul royal. Cético e equilibrado é o mais maduro de nós, aliás, é mais maduro que todos nós juntos (incluindo-se aí eu e minha esposa). Questionador por natureza não aceita respostas rasas e prontas. Diferente do irmão que faz a linha besteirol, o Kike tem um senso de humor ácido, cínico mesmo. Enquanto o irmão mais velho é o “relações públicas”, o azul é mais reservado, com um ciclo mais restrito e sólido de amizades.

Um episódio em especial me fez perceber definitivamente o quanto são diferentes e especiais.

Tendo entrado num quadro de falência múltipla dos órgãos, a morte de meu pai era iminente, questão de horas, um dia, dois no máximo (como acabou acontecendo).

Diante daquela realidade irreversível era hora de se preparar e compartilhar aquele fato com meus filhos. Tendo recebido a notícia no fim de uma sexta-feira, esperei o amanhecer de sábado para no banco do jardim, ensinar mais esse capítulo da vida para meus filhos. Cada um reagiu da forma mais inesperada possível.

Ao receber a notícia o Caio automaticamente se deu conta de que os pais morrem um dia. Com lágrimas nos olhos em seu egoísmo inconsciente me disse:

- Pai eu não quero que você morra.

Em sua lógica infantil e crua o Caio havia concluído que seu meu pai estava à beira da morte um dia seria ele que passaria pela situação que eu vivia naquele momento.

Diferente do irmão mais velho que deixava escapar uma revolta em seu choro, num discurso difícil de crer proferido por uma criança de sete anos, com serenidade espantosa o Henrique me confortou:

- Pai vai ser melhor assim, o “vô” Alfredo precisa descansar.

Mais do que qualquer um de nós, aquele pedacinho de gente, em sua suposta ingenuidade, percebia aquele momento em toda sua profundidade.

Os anos se passam (não precisava ser tão rápido assim) e ainda continuo me encantando com as peculiaridades de cada um de meus filhos, maravilhosamente diferentes entre si, um vermelho e o outro azul.

Um comentário:

  1. Muito bom... cara, é de emocionar... eu também descubro um pouquinho mais de cada um dos meus filhos (Marina e Murilo) diariamente. Me emociono, me surpreendo, me orgulho, e me impressiono com poder que eles tem de me transformar em uma pessoa melhor!

    Parabens...

    Forte Abraço!

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